O NEVOEIRO
O nevoeiro causa-me melancolia. Sempre assim foi. Em criança vivia na encosta da serra e era frequente, até ao fim da manha, viver enclausurado num metro quadrado de cinzento claro e vigiado por sombras negras que se aproximavam e afastavam de mim. Era como se o mundo ficasse a preto e branco e perdesse a capacidade de encontrar a beleza e o rigor das coisas e das pessoas. E também perdia a vontade de sair de casa porque como o nevoeiro ficava lá fora o mundo do meu quarto permanecia resguardado da quebra de cor e dos vultos desconhecidos que me amedrontavam.
E hoje, tantos anos passados após
a saída abrupta da beira da serra, percebo que o nevoeiro povoa todos os locais
onde eu morei. Há dias em que não consigo reconhecer a beleza do horizonte nem
a beleza dos sorrisos dos outros porque os meus olhos não alcançam mais do que
o metro quadrado que me aprisiona nos meus medos. E noutros, os nevoeiros são
tão densos que posso imaginar facilmente que sou o único que sobrevivi a um
desastre cósmico e essa solidão é tão forte que me apetece chorar, mesmo quando
rostos amigáveis se aproximam, falam comigo e me tentam acalmar.
E agora, contra a minha vontade, estou
em casa porque uma estranha doença tomou conta de tudo, das ruas e dos jardins
e estou proibido de me aproximar dos outros porque eles poderão ser portadores
do mal, tal como eu poderei ser o mesmo para eles. Como era de prever a
desconfiança cresce a olhos vistos e qualquer abraço é sintoma
de uma traição à humanidade. Esta transformação à vida, feita a regra e
esquadro por políticos que vivem na televisão, causa-me calafrios pelas
consequências que terá no futuro. Reparo que o nevoeiro se adensa e se estende pouco
a pouco a formas de vida onde menos se espera, a beleza das coisas esvai-se
como uma vela ardente e vultos sem rosto passam ao longe mais apressados do que
é costume. Tenho receio que o sol que dá cor e brilho às coisas e o afeto que
me liberta do nevoeiro nunca mais regressem ao meu mundo.
Luís R
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