OS OLHOS TAMBÉM ENVELHECEM E NÃO É MIOPIA


Reparei como os teus olhos foram entristecendo ao longo dos anos. O olhar envelhece tal como tudo o resto. O desencanto é o primeiro sinal, depois amontoam-se sinais de dor e por fim desesperança. Muda a cor, altera-se a tonalidade e a vivacidade. E se em relação ao corpo sempre há cremes, loções, exercícios para tonificar e prever desfalecimentos, em relação ao olhar não existem soluções para alterar e reverter o que parece inevitável.

O problema é que o envelhecimento do olhar nem sempre é proporcional ao amontoar de anos e de tristezas. Aqueles tão novos que perderam a capacidade de espanto e de curiosidade e o seu olhar torna-se baço e inerte e há outros em que o acumular de anos não lhes esgota a força de um olhar carente de deslumbramento. Estes registam tudo com o semblante do adolescente, inquietos, transparentes, vivos. Com um
olhar que procura o outro, que busca o misterioso, que regista o pormenor e que se fixa no belo.

Tu deixaste envelhecer os teus olhos. Perdeste a luz, ao mesmo tempo que as desilusões se amontoaram. Poderemos ser infelizes nos propósitos, mas ao mesmo tempo guardar o interesse pelo mundo, o interesse pelos outros. Perdeste ambos. E o amor necessita que os olhares se encontrem com o brilho que resiste à poeira do tempo. Nem que sejam frações de segundos que testemunham ligações ancestrais e desígnios comuns. O olhar com pudor por algo dito, o olhar de alarme a pedir apoio, o olhar cúmplice perante um segredo partilhado, um olhar de compaixão perante uma dor repartida, um olhar atrevido por um sinal de desejo. Não olhas para mim, mesmo quando almoçamos frente a frente. Tens medo que os teus olhos revelem o que ambos sabemos há muito tempo. Que a nossa aventura terminou e que se foi perdendo e esvaziando daquilo que encontravas em mim de amável e sedutor. Não tenho jeito para alimentar paixões tórridas, não tenho hábitos de oferecer prendas em cenários de filme, de evidenciar sinais de embevecimento ridículo. Não é falta de amor, mas falta de jeito. Mas tu precisas dessa euforia, dessa comédia que é vida dos afetos, das celebrações entusiástica das datas e dos eventos. Foi um erro meu, aceito. Poderia ter aprendido a jogar o teu jogo. Perdi, por isso.

E agora baixas o olhar sempre que nos cruzamos. No domínio do amor eu já sou um desconhecido. 

Luís R






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