REGRESSO AO PSICANALISTA

A palavra salva-nos. A palavra dá sentido ao vazio. Uma ausência escondida no sótão que surge esfregando os olhos.

O medo tem voz, a mágoa e a tristeza soltam-se em sons de palavras que não existem. E tal como é difícil explicar a dor que se sente, também é muito difícil explicar a origem das mágoas. Os factos só por si não explicam nada, ou muito pouco. A dor não é fácil nomear-se. Andamos às voltas, às voltas, e parece nunca chegarmos ao sítio certo, tal como pesquisar a caldeira de um vulcão e não conseguir descobrir o buraco por onde sai a lava que inunda a vida por inteiro. É difícil encontrar a origem…

Para além dos factos que julgamos ser o fulcro de tudo e a raiz do mal, uma espécie de caixa de onde saiu todo o infortúnio, temos que considerar a culpa, a traição, a mentira, a chantagem, a vingança, o ódio camuflado devido a amores impossíveis. E nisso os factos são inocentes, somos nós que os transportamos.

O facto nada acrescenta. O facto é apenas o pilar que suporta o discurso sem nexo, para trás e para a frente, confusão entre o antes e o depois, como redemoinhos feitos de vento forte. O facto não nos deixa ir ao fundo. A sua presença informe e arrogante não deixa vislumbrar sequer as sombras que estão ao seu redor. A vontade de seguir e entrar no obscuro mundo da insânia, o prazer misturado com lágrimas, a malícia nos gestos, o olhar que suportou o momento. Um olhar de assentimento que amenizava gestos de fuga e raiva….

Não nos perdoamos. As primeiras palavras apenas confirmam que foi o facto e o outro a raiz do mal. Como isso nos bastava para seguir em frente. Como um condenado a quem novas provas de ADN o retiram da prisão.

E depois, vezes sem conta regressamos. Reconhecemos com muito custo. Magoa tanto que nos apetece abandonar o barco. E tantas vezes saltamos borda fora e a água gelada ajuda-nos a esquecer onde estivemos e para onde vamos. Ser infeliz é isso. Não ficar para chorar tudo de uma vez, chorar a nossa realidade humana. Eu nunca fiquei no barco. Prefiro não falar mais do que as primeiras palavras que encostam os factos e os outros às cordas. Prefiro a mágoa que aparece e desaparece, mitigada pela surpresa da vida, do que quebrar sob o peso da culpa e da vergonha devido a palavras ácidas que nos vão obrigar para sempre a alterar gestos e sorrisos. Não ficamos mais felizes, apenas mais verdadeiros. E isso não é mais do que assumir a nossa vulgaridade, tornar-nos seres tão execráveis como aqueles que culpamos, questionados para sempre pela ausência de valores e audácia. A cura é morrer para a vida. Sermos capazes de nos olhar agora, sem a marca da dor, mas no horror de percebermos quem somos.

É por isso que prefiro a beleza à verdade.

Luís R

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