O REGRESSO DE MATRIX
Tenho um amigo que em pouco tempo
e sem pré-aviso, saiu de casa, alugou um quarto, deixou de se dar com a sogra,
leu o livro As Sombras de Grey e pôs à venda o carro desportivo para dispor
de dinheiro para fazer um implante capilar. Só isto poderia servir como prova
da existência de Deus.
O caso não é para menos. Vemos o
mundo a ruir à frente dos nossos olhos a uma velocidade estonteante e
percebemos que nada podemos fazer para endireitar o que já não tem compostura.
Ainda por cima, dois dias depois ligou-me a pedir, ou melhor a exigir, que
fosse a um site de venda de automóveis onde a foto do carro ainda pairava para
me despedir dele como num funeral online, próprio de gente que partilha a
intimidade.
E o mundo gira à sua medida sem
nos perguntar se gostamos das voltas ou se sabemos rigorosamente para onde isto
se dirige. E neste ano 2020 soubemos que o Natal só poderá ter meia dúzia de
pessoas por mesa, que os concelhos não poderão ser atravessados sob pena de
graves penas no inferno (como se nós soubéssemos onde acaba um concelho e
começa outro), que os avós ficarão fechados nos quartos dos lares porque cá
fora espera-os a tragédia e a desilusão e andamos todos com máscaras cirúrgicas
como se todos fizéssemos parte de um bloco operatório gigante, onde nos
encontramos para retirar apêndices, rins, tumores de vários géneros, consertar
ossos e abrir os cérebros de extraterrestres que chegaram em Março e precisam
de manutenção como qualquer máquina que anda à velocidade da luz ou que se
alimenta de ferrugem.
E lembrei-me do filme Matrix
quando um dos protagonistas pergunta ao Neo se não desconfia que há algo de
estranho com este Mundo e depois comenta filosoficamente que se não acordarmos
de um sonho nunca saberemos que estamos a sonhar. E a tendência neste momento
da minha vida é refletir e concluir que tudo isto não passa de um pesadelo e
que talvez o meu amigo já tenha recuperado a sanidade mental perdida no ano
anterior.
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